Triversos
1
Passa a teoria
por debaixo do arco-íris.
Vira poesia.
2
Andorinha sobe,
andorinha sobe e desce,
faz um “s” e some.
3
Dizem que a cigarra
nada faz senão cantar.
Ah, é indispensável.
4
Da folha de amora
para o lencinho da amada.
Mágico tear.
5
Estrela cadente.
Vaga-lumes se alvoroçam
cobiçando a vaga.
6
Se borda é prendada,
bem mais ainda se pinta.
E se pinta e borda?
7
Casal de velhinhos
na janela olhando a Lua.
Tão longe a de mel...
8
Assanhadas rosas.
Disputam a preferência
de um raio de sol.
9
No lombo do boi
faz-lhe um cafuné o anu.
E ele gosta: muuu...
10
Ursinha moderna.
Toda noite, após a lida,
na internet hiberna.
11
Xexéu na gaiola
para o peixinho no aquário:
– Como vai, colega?
12
No meio do pasto
um ponto de exclamação.
Último coqueiro.
13
Alô... é da Lua?...
Manda uma cheia, com flores,
para a minha amada.
14
Florzinha silvestre
no jardim do shopping-center.
Êxodo rural.
15
Do asfalto se avista
ao longe um carro de boi.
Cheinho de histórias.
16
Serás a sereia
que na lua cheia cantas?
Serei-a, serei-a.
17
Pálidas pernocas
na areia pegando cor.
Ou pescando amor?
18
Mosca na parede.
Avisem à lagartixa
que o jantar chegou.
19
Ao luar, no Éden,
primeiro jantar a dois.
Que deu no que deu.
20
Menino de sete
versus menino de oitenta.
Jogo de botão.
21
Diz o sapo à sapa:
– Coá-coaxá... coará-coaxá...
E ela a ele: – Topo.
22
Um pulo, medalha.
Milhões de cabeças boas
tão longe das loas.
23
Trenzinho da serra.
Pa... Pa-ra-ná... Pa-ra-ná....
pra Paranaguá.
24
Piupiu canta à porta
da gaiola da piupia.
Se arrepia a bela.
25
Flagra na cozinha.
Um par de abelhas aos beijos
sobre o meu pudim.
26
Galinha caipira
desposa um pavão real.
Continho de fada.
27
É a cegonha, bem...
Tá caçando uma barriga
pra ninhar neném...
28
Na aguinha da bica
molha o bico o tico-tico.
Depois bica a tica.
29
Céu de “brigadeiro”.
– Aniversário de quem?,
me pergunta o neto.
30
Zunzunzum... zunzum...
É um pernilongo brincando
de fórmula um.
31
Xô daqui, Seu Grilo.
Pega a tua cantoria,
pousa noutra cuca.
32
Dó-ré-mi-fá-sol,
dó-ré-mi-fá-sol-lá-si.
Sabiá-laranjeira.
33
Eram todos sábios.
Mas somente o sabiá
sabia cantar.
34
Tão simples, meu santo:
“ame e faça o que quiser”.
O resto é discurso.
35
Releio Bilac.
Aquele que a Via Lác-
tea ouvia e via.
36
A semente, grá-
vida, leva a vida impá-
vida para a frente
37
Cigarra dá curso
de canto no formigueiro.
E a fábula acaba.
38
De longe o cheirinho
a que Adão não resistiu.
Festa da maçã.
39
Rodada de mate.
Negrinho do Pastoreio
passa bem no meio.
40
Quero-quero-quero,
que queres tu tanto assim?
– Quero a quera-quera.
41
Mindim, seu-vizim,
pai-de-todos, fura-bolo...
Ao sobrante, o piolho.
42
Tão meninas elas,
as meninas dos teus olhos.
Pedem colo, ainda.
43
Nobre girassol.
Como podem, no mercado,
chamá-lo commodity?
44
Toda prosa a rosa.
Vitória-régia-mirim
numa poça d’água.
45
Cubram-se as estrelas.
Tem gente capaz de ao vê-las
lhes roubar as pilhas.
46
Vovó faz a sesta
na cadeira de balanço.
Reprise de sonhos.
47
Corrija-se a tempo.
Mais de mater que magistra
necessita o povo.
48
Era um fino belga.
Fez sucesso ao transformar-se
num canário brega.
49
No ap da canária
pinta o 7 o pintassilgo.
Pinta um pintagol.
50
A abelhinha, não.
Bela e útil, não lhe assenta
ser chamada “inseto”.
51
Na Idade da Pedra
talvez já se comentasse:
– É uma pedra a idade.
52
Cada tique-taque
leva um tiquinho da gente.
Para o céu, espero.
53
Longindo-se vai,
suminte, o barquinho a vela.
Quem será com quem?
54
Ah, espelho meu.
Cada vez que em ti me vejo
vejo menos eu.
55
Receita do sapo:
quem quer um sono tranquilo
antes coma o grilo.
56
A rosa, Keké,
a rosa que coisa é?
– Email de Deus.
57
Quantas vezes, ah,
eu vi o pião rodar.
E os anos também.
58
Poeta no parque.
Enquanto caminha ao sol
vai catando haicais.
59
Do dente por dente
ao voto por dentadura.
A lei da mordida.
60
Nuns de vez em quando
sou porventura menino.
Melhores momentos.
61
Na praia desfilam
sungas, biquínis. De gala,
um par de pinguins.
62
O Sol que se cuide.
Volta e meia a meia-lua
chega em casa cheia.
63
Tanto foi ao brejo,
que a vaca um lírio gerou.
O copo-de-leite.
64
Mágica é a palavra.
Beija-flor é beija-flor,
colibri nem tanto.
65
Nem ao vento verga
o velho jequitibá.
Dá flores, porém.
66
As celebridades?...
Dê-lhes tempo: logo-logo
serão gasparzinhos.
67
O parto da história:
aquele em que Adão, dormindo,
fez-se Adão e Eva.
68
Um pingo de luz
no topo do arranhacéu.
Brincando de estrela.
69
Garrincha e Pelé.
Depois deles nunca mais
houve igual olé.
70
Ao velhinho, o dia.
Nem passado nem futuro
têm-lhe serventia.
71
Antissolidão.
A cada velhinho a tela
de um compurador.
72
Meu sonho está aí?...
Por favor, mande-o de volta,
que a saudade dói.
73
Entre o céu e a terra,
quanta vã filosofia...
E o pior: bem paga.
74
Pois é, meu poeta:
até as crateras da Lua
de longe são belas.
75
Doce portuñol.
Para los niños los nidos
... y los abuelos.
76
Pousa o passarinho
na imagem de São Francisco.
Os irmãos se entendem.
77
Branquinhas, branquinhas,
voam as garças em V.
Vitória da paz.