DESERTOS SERÃO JARDINS
A. A. de Assis
No meu tempo de menino em São Fidélis havia uma tradição natalina mantida com especial carinho e solenidade em nossa família: todos os anos, no quarto domingo do Advento, nosso primo padre Augusto (monsenhor Augusto José de Assis Maia) almoçava conosco.
Meu pai trazia da roça o indispensável peru papudo, que minha mãe preparava no maior capricho, enriquecendo-o com um substantivo recheio de farofa. Como complemento, a também indispensável macarronada coberta com rodelas de ovos cozidos. A sobremesa costumava ser uma das preferidas do primo: doce de jenipapo em calda com requeijão.
Padre Augusto chegava habitualmente uns trinta minutos antes do meio-dia, trazendo para as crianças, num dos bolsos da batina, um pacote de balas de caramelo. Para minha mãe, trazia um buquê com rosas que ele mesmo cultivava em seu quintal.
Iniciava a visita abençoando o presépio montado na sala pelas minhas irmãs. Em seguida convidava a gente para uma oração, após a qual fazia uma breve reflexão sobre o significado da presença visível de Deus entre nós na pessoa de Jesus. Tentarei reproduzir em parte.
– “Deus criou a Terra para ser um lugar perfeito, onde pudéssemos formar uma comunidade fraterna, feliz e amorosa, capaz de conviver em paz até o momento da serena transferência para a definitiva morada no céu.
– “Ao longo, porém, da caminhada terrena, a humanidade foi aos poucos perdendo o rumo. Deslumbrados pelos dons e encantos gratuitos recebidos do Criador, homens e mulheres encheram-se de orgulho, vaidade e ambição, e o que era para ser um alegre aprendizado para o futuro ingresso no reino das bem-aventuranças acabou se transformando num tenebroso labirinto marcado pelo egoísmo, pela injustiça, pelo ódio, pelo medo, pela crescente infelicidade.
– “Deus, todavia, infinitamente misericordioso, interveio na história: enviou-nos seu Filho Jesus Cristo com a missão de redimir a família humana e ajudar-nos em nossa peregrinação rumo à Canaã celeste. Esse gesto de suprema bondade – a vinda do Verbo Divino como salvador da humanidade – é o real motivo das celebrações do Natal.
– “Resumindo: Jesus nasceu e viveu no meio de nós, sofreu conosco e por nós, foi crucificado, ressuscitou, voltou à Casa do Pai. Deixou-nos, entretanto, sua eterna Palavra de esperança e amor, cuja propagação confiou aos seus discípulos, entre os quais também nós, na medida dos talentos e do alcance de cada um. Continua assim espiritualmente dentro de nós, em todos os momentos e situações, certo de que algum dia aprenderemos a amar-nos uns aos outros como ele nos ama. Nesse dia, finalmente, como sonhara Isaías, os desertos serão jardins”.
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Esta coluna entra hoje em férias, com retorno previsto para fevereiro. A todos/todas vocês, que por mais um ano carinhosamente acompanharam os meus textos, agradeço de todo o coração. Deus os abençoe sempre e lhes dê um feliz e santo Natal. Fraterno abraço.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 22-12-22)