sábado, 17 de setembro de 2022

LEIGO POR QUÊ?

 LEIGO POR QUÊ?

A. A. de Assis


Tenho à minha frente um exemplar da edição de dezembro/1978 da antiga revista “Aqui”. Nas páginas 26-27 há uma entrevista que fiz com o padre Julinho (Monsenhor Júlio Antônio da Silva), então um jovem sacerdote recém-ordenado. A certa altura, ele diz: “Não gosto dessa palavra ‘leigo’, que sofreu desgastes semânticos ao longo do tempo. Prefiro falar em ‘povo de Deus’, do qual o padre é parte, embora com missão especial”.

     Penso igual, e por igual motivo. Inicialmente a palavra “leigo” (do grego “laós”/“laikós”) era usada em seu sentido original: significava “povo”. Assim, “leigos” eram todos os filhos de Deus, entre os quais também os padres – homens escolhidos por inspiração divina, mediante o dom da vocação, para, em tempo integral, servir, incentivar e orientar a humanidade na caminhada rumo à Casa do Pai. Ou seja: os diáconos, os presbíteros, os bispos, os cardeais, o papa eram “leigos” que compunham o “clero” (do grego “kléros” = escolhidos, selecionados).

     O problema começou, como frisou o padre Julinho, a partir da degradação semântica sofrida pela palavra “leigo”, que no rolar dos séculos passou a ser entendida como alguém que pouco ou nada entende de alguma coisa. Esse novo significado é aceito naturalmente quando se trata de alguma ciência: leigo em direito, leigo em medicina, leigo em economia. Em religião, porém, parece no mínimo pouco sinodal chamar alguém de “leigo”.

      Decerto os clérigos, pelos seus longos estudos, estão bem preparados para explicar a Bíblia e tudo o mais que se refira a Deus e aos mistérios da alma. Todavia isso não significa que os demais sejam desinformados, muito menos tolos. Há grandes teólogos que não são padres; há muitos outros homens e mulheres que são profundos conhecedores das Escrituras Sagradas. Da mesma forma como há milhões de pessoas com pouca instrução, mas que, na pureza da sua fé, conseguem colher sabedoria diretamente no coração de Deus.  

     Minha mãe cursou apenas a escola primária, no entanto foi com ela que aprendi a primeira grande lição de espiritualidade. Eu tinha uns 12 anos quando ela me disse: “Toda vez que você pensar em Deus, chame-o pelo nome de Amor – o Amor fez o céu e a terra; o Amor criou o homem e a mulher; o Amor habitou entre nós na pessoa de Jesus para nos salvar; o Amor perdoa setenta vezes sete; o Amor ama, e portanto quer sempre ver a gente feliz”.

     Assim, desde a adolescência eu já entendia quem é Deus (Deus é Amor). Minha mãe, na sua simplicidade, sabia das coisas; ela não era “leiga” em religião. Nem ela nem nenhuma das outras tantas pessoas que dialogam com Deus na igreja, em casa ou em qualquer lugar.

     Peço perdão ao querido amigo padre Julinho pela carona que peguei numa frase sua dita há 44 anos numa entrevista. Parece, porém, estar mais do que na hora de alguém criar um novo nome para os que não são clérigos. Há de haver alguma palavra mais adequada do que “leigo”. 

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 15-9-2022)

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