quinta-feira, 16 de abril de 2020

O menino que nasceu voando

O menino que nasceu voando
A. A. de Assis


Que pena que a memória é curta e o descapricho é grande. Aconteceu muita coisa importante em Maringá ao longo dos 65 em que aqui estou. Os fatos ficaram na lembrança, porém sem anotações quanto a determinados detalhes.
Por exemplo: a história de um menino que nasceu nas nuvens, dentro de um avião. Nos poucos registros a respeito, a primeira divergência é sobre a data: uns dizem que foi no dia 19 de julho de 1957 (data que me parece mais provável), outros falam em 10 de maio de 1958.
A população ouviu pelo rádio a notícia de que um avião da Vasp estava se aproximando de Maringá trazendo a bordo uma cena de cinema: uma jovem senhora entrara em trabalho de parto e precisou ser socorrida pelas aeromoças, que improvisaram algo parecido com cama no corredor da aeronave. Era um daqueles velhos e valentes Douglas DC-3, bimotor que prestou preciosos serviços aos nossos pioneiros.
Correria louca na cidade: uma ambulância com a sirene aberta abrindo caminho na Avenida Brasil. Radialistas, jornalistas, fotógrafos em disparada para não perder o furo de reportagem (televisão ainda não havia por aqui). Curiosos chegando de carro, de moto, de bicicleta, a pé. De repente o antigo aeroporto Gastão Vidigal foi tomado por uma enorme multidão.
Eu lá no meio, junto com o Manuel Tavares (diretor de “A Tribuna de Maringá”) e o fotógrafo Edgar Taborianski, já ensaiando a bela manchete em oito colunas para a edição do dia seguinte. “O menino que nasceu voando”.
O comandante do avião, bastante emocionado, ia informando ao pessoal de terra (creio que só um rapaz que cuidava do aeroporto), sobre o andamento da emergência. Pedia que a ambulância se postasse perto da pista de pouso e que os médicos e enfermeiras ficassem prontos para um procedimento imediato.
Não deu tempo. O bebê veio à luz dentro da aeronave, antes da aterrissagem, com a corajosa e eficiente ajuda das comissárias de bordo e o aplauso dos passageiros.
A história virou notícia nacional. O menino, que já nasceu famoso, foi registrado e batizado em Maringá, com um nome bem adequado: Miguel Vaspeano. Miguel por haver nascido voando, como um anjo; Vaspeano, como homenagem à Vasp, que lhe serviu de maternidade. Informou-se depois que a direção da empresa considerou tão importante o evento, que estaria até disposta a patrocinar os estudos do garoto até a universidade.
Mas veja como o destino às vezes surpreende. Miguel Vaspeano Lepeco fez carreira como piloto de táxi aéreo, voou durante 25 anos e terminou a biografia do mesmo modo como começou: morreu num acidente de avião, aos 52 anos, nas proximidades de Manaus, no dia 13 de maio de 2010. Ele pilotava o avião Sêneca prefixo PT JUV.

Se não há, deveria haver em Maringá uma Rua Miguel Vaspeano.

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 16-4-2020)
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