Reynaldo, o brasão e o susto
A. A. de Assis
Prestem bem atenção na data: 30 de março de 1964. Mas vamos começar pelo começo. O prefeito João Paulino lançara um concurso para escolha do Brasão e da Bandeira do município de Maringá. Reynaldo Costa, então um jovem gráfico e artista plástico, decidiu entrar na competição. Fez os esboços, porém estava em dúvida quanto a alguns detalhes técnicos e sobre como redigir o elucidário. Perguntou se eu poderia indicar-lhe algum livro. Respondi que poderia fazer algo melhor: pô-lo em contato com a maior autoridade do Brasil em matéria de heráldica, o professor Alberto Lima, que na época era diretor do Gabinete de Fotocartografia do Exército. Peguei o telefone, liguei para o Rio de Janeiro, falei com o mestre, disse do que se tratava. Ele quis saber se o artista maringaense poderia ir ao Rio para conversarem pessoalmente. Reynaldo era um gênio tímido, titubeou, propus ir junto, aí ele topou. Fomos.
Conhecido e super-respeitado como aquarelista e heraldista, criador de centenas de brasões e ex-libris, nas horas vagas Alberto Lima era também um entusiasta da poesia. Foi como poeta que o conheci, nos tornamos amigos e nos encontramos em numerosos eventos literários. Chegamos a escrever em coautoria um livro de trovas em homenagem à cidade de Nova Friburgo.
Desembarcamos no Rio na manhã do dia 30 de março. Em nossa doce inocência, nem demos conta do que acontecia a nosso redor. O professor Lima nos recebeu carinhosamente em seu apartamento na Tijuca, ao lado do Convento dos Capuchinhos. Reynaldo mostrou os seus desenhos, recebeu elogios bastante animadores, depois trocaram ideias durante mais de uma hora. Poderia voltar feliz para casa, na quase certeza de que seria ele o ganhador do concurso. Não deu outra: ganhou.
Mas veja o que nos esperava: no trajeto para o hotel, percebemos um clima pesado nas ruas. As pessoas passando com o semblante tenso. Veículos militares circulando de um lado para outro. Subimos para o quarto e ficamos na janela observando a cena. Reynaldo havia levado um radinho de pilha, pelo qual acompanhávamos o desenrolar dos fatos. A recomendação era de que a população se mantivesse calma e não saísse de casa. O comércio fechou as portas, e foi assim o resto do dia. Não podíamos nem sair para comer alguma coisa. Pior: o hotel não fornecia refeições, só café da manhã. Já de noite conseguimos um café com leite com pão.
Dormir?... De que jeito?... Para complicar, o rádio informou que os transportes estavam parados. Nossa viagem de volta, programada para a manhã seguinte, dia 31, foi cancelada. Até que de repente ouvimos um foguetório, e a notícia ecoou: “Jango caiu”. O povo foi para a Avenida Rio Branco festejar. Pegamos um táxi, fomos para a rodoviária.
De noite, ainda assustados, conseguimos lugar num ônibus... O querido amigo Reynaldo Costa foi o vencedor do concurso. Entrou na história como criador do Brasão e da Bandeira do município de Maringá.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 18-6-2020)
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