Ó tempos, ó costumes!
A. A. de Assis
No museu da UniCesumar há um documento deveras curioso: a carta de autorização dada por um delegado de polícia a uma senhora para que ela pudesse usar calças compridas em suas atividades cotidianas. Isso em janeiro de 1952, aqui pertinho – em Londrina. A portadora, posteriormente, veio residir em Maringá.
Parece incrível, mas a coisa era assim mesmo. Mulher de calças compridas era atentado ao pudor. Só no final da década de 1950 as moças e senhoras começaram a ganhar maior liberdade para sair às ruas em “traje masculino”... e sem necessidade de licença do delegado.
“O tempore, o mores” (ó tempos, ó costumes), bradava o velho Cícero no senado romano. Vale lembrar que de “mores” (“modas”, “costumes” em latim) é que veio a palavra “moral”. Moral então é aquilo que faz parte dos “bons costumes” de um povo numa determinada época.
Tudo o que seja consensualmente aceito como habitual por uma sociedade é “moral”. Se o costume é andar nu, isso significa que a nudez é “moral”. Se o costume é andar com o corpo coberto, a nudez passa a ser “imoral”. Se tanto faz como tanto fez, é “amoral”.
Tá na moda? Tá se usando?... Manda ver. A grande virada dos usos e costumes teve como ponto-marco o ano de 1960. Mas um pouco antes já se notavam sintomas de abertura, com a explosão do rock and roll do Elvis Presley e companhia. Depois veio o biquíni, em seguida entrou na onda a minissaia da Mary Quant. E daí por diante nem mesmo o bom latim do nobre tribuno Marco Túlio Cícero botou mais freio nos “tempores” nem nas “mores”.
O rock, aliás, foi fortemente simbólico no processo de emancipação da mulher. Até então, os casais dançavam abraçados, sempre o homem “guiando” a companheira. A partir do rock ele e ela passaram a dançar separados, cada um guiando a si mesmo.
Em 1952, quando aquela corajosa senhora ousou desfilar em Londrina vestindo calças compridas, muita coisa que hoje causaria espanto era ainda normal, costumeira, habitual, usual, consensual, moral. Por exemplo: namorada só podia ir ao baile ou ao cinema com o namorado se levasse junto um “onze” – um irmãozinho ou irmãzinha para “tomar conta” da moça e evitar eventuais avanços do moço... Nos bailes havia um personagem temível: o “fiscal de salão”. Se um par estivesse dançando muito agarradinho, ele vinha e separava. E se o rapaz resmungasse era posto pra fora.
Velhos “tempores”, velhas “mores”. Mas nos velhos “tempores” era mais fácil acompanhar a evolução dos usos e costumes, porque as “mores” eram duradouras. Foi ao longo da segunda metade do século 20 que as modas destramelaram de vez, passando a mudar muito rapidamente, de modo que as pessoas passaram a ter também que mudar bem rápido o modo de ver e de entender as coisas.
O que aconteceu quando a gente era criança já virou pré-história...
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 4-3-2021)
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