Professor Polyclínio
A. A. de Assis
Aliás, nem professor ele de fato era, visto que jamais dera uma aulinha sequer em escola alguma. O nobre título, recebera-o da roda de amigos por justa honra. E com o aval da cidadinha inteira, que assim também o chamava por sabê-lo sábio, embora sabidamente desdiplomado. “Sou professor honóvis fora”, dizia de si mesmo ele, e ria.
Na adolescência chegou a ter um pouquinho de estudo no grupo escolar, nada mais que isso. O muito que sabia era fruto de leituras. Lia, lia, lia – jornais, revistas, livros, livros à mancheia. O emprego no banco foi conquistado num teste em que se classificou em primeiro lugar. Sabia tudo de matemática, português e outros que-tais. Agora vivia da aposentadoria e de umas rendazinhas várias. Octogenário, saúde boa, magro, alto, solteirão. “Nunca tive tempo nem suficiente gosto para me casar”, explicava, sorrinte sempre.
Morava sozinho numa casa que recebera de herança, com quintal em volta e passarinhos. Num quarto ele dormia, em dois outros tinha as estantes cheinhas de livros, na sala o demais fazia e após o almoço cachimbava e cochilava na cadeira de balanço. Uma senhora vizinha trabalhava para ele em meio período: arrumava a casa, lavava as roupas, cozinhava.
Toda manhã, pelas 8, vestia terno e gravata e saía para a caminhada ao sol. No retorno, uma paradinha para a cotidiana meia hora de prosa com o padre José na varanda da casa paroquial. Surpreendente homem o Professor Polyclínio. Embora ateu, conhecia a Bíblia de ponta a ponta, curtia canto gregoriano e era amigo do pároco. Afinal era o único na cidade com quem ele podia falar de Sócrates, Platão, Virgílio, ao sabor de um bom chazinho com biscoitos.
No sábado, todo sábado, a agenda era outra. Assim que a tarde anoitecia, chegava ele à Toca d’Ursa, chapéu panamá pra se guardar do sereno, a begalinha branca rimando com a cor da barba. A mesa, como deveras soía, já lá estava reservadinha na calçada em frente, a cadeira dele virada para a beira-rio.
Ligeirinho ia crescendo a roda em volta dele. A fina flor da boemia. “Fina flor” é coisa antiga, tá, mas no caso até que calha. A rapaziada pedia cerveja ou cuba-libre. Para o Professor Polyclínio, Dona Liloca, dona do botequim, já sabia: trazia no balde de gelo um vinho Casal Garcia, que ele ia degustando golinho a golinho enquanto rolava a prosa.
Falavam de futebol, política, negócios, até da vida alheia falavam. O mestre mais ouvia que falava. Numa certa vez a conversa engrossou: dois dos moços, numa discussão sobre futebol, ameaçaram trocar sopapos. Com a sua autoridade de sábio e mais velho da mesa, Polyclínio interveio: “Olhem aqui, meninos, cada um de nós tem lá seu time, porém pouco importa que um seja Vasco e outro Flamengo. O importante é que todos gostamos de futebol... e porque gostamos de futebol temos assunto para conversar a noite inteira”.
De pronto a briga acabou.
====================
(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 02-9-2021)
ResponderResponder a todosEncaminhar |
Nenhum comentário:
Postar um comentário