OUVIRAM DO IPIRANGA
A. A. de Assis
Todo ano, no primeiro dia da Semana da Pátria, o professor Expedito dedicava a aula de língua portuguesa a uma atividade solene: explicava frase por frase a letra do Hino Nacional. Aqui o espaço é curto, porém tentarei reproduzir um pouco do que na memória guardei.
A música – informava ele – foi composta por Francisco Manuel da Silva em 1831, inicialmente com letra de Ovídio Saraiva de Carvalho. A letra depois oficialmente adotada é de Osório Duque Estrada, e foi cantada pela primeira vez em público no dia 6 de setembro de 1922, véspera do centenário da Independência do Brasil.
Daí iniciar-se o Hino com os célebres versos: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / de um povo heroico o brado retumbante”. Quem fez análise sintática suou para encontrar aí o sujeito. O recurso era remontar a oração, colocando-a em ordem direta: “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico”. Assim ficava mais fácil. Sujeito: as margens plácidas. E margens ouvem?!... Metaforicamente, sim. As margens plácidas (calmas, tranquilas) do riacho Ipiranga “ouviram” o brado (o grito) retumbante de um povo heroico (o povo brasileiro, ali representado por Dom Pedro I, que bradou: “Independência ou morte!”. “E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos, / brilhou no céu da Pátria nesse instante”.
Poeta parnasiano de primeiro time, Duque Estrada usava uma linguagem muito bonita, porém um tanto complicada para o leitor/ouvinte atual. O professor ia explicando:
“Deitado eternamente em berço esplêndido”. – Esse é o verso mais polêmico do poema. Culpa do “deitado”, que seria no mínimo injusto caso fosse tomado ao pé da letra. Afinal de contas, o brasileiro não tem nada de preguiçoso. Ao contrário: é um povo que trabalha muito. Mas poesia se faz com metáforas. O que o autor certamente quis dizer foi que o Brasil se estende sobre um território esplêndido (do verbo “esplender”, que significa brilhar, resplandecer). Com tantos minerais preciosos, é fácil pensar em brilho. O poeta via o país “deitado” (estendido) em cima de um chão esplendente (resplandecente), um “berço” forrado de ouro, prata, diamante, esmeraldas etc.
“Brasil, de amor eterno seja símbolo / o lábaro que ostentas estrelado, / e diga o verde-louro dessa flâmula / paz no futuro e glória no passado”. – Em ordem direta: “Brasil, o lábaro estrelado que ostentas (a Bandeira Nacional, com as estrelas que representam os estados) seja símbolo de amor eterno”. “E o verde-louro (verde-amarelo) dessa flâmula (bandeira) diga (signifique) paz no futuro e glória no passado”. Verde é símbolo de esperança. Louro é sinônimo de amarelo (“cabelos louros”) e é símbolo de triunfo, glória (“os louros da vitória”), de onde temos também láurea, laurel. O poeta, utilizando recursos de retórica, expressa o seu desejo de que o louro (amarelo) de nossa Bandeira signifique as glórias alcançadas pelo Brasil no passado, e o verde indique a esperança de um futuro de paz.
Paz, muita paz, justiça, liberdade, alegria, saúde, educação, solidariedade, fraternidade. Tudo de bom para todos os filhos desta linda Pátria que hoje celebra 200 anos de Independência.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 07.9.2022)
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