quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

DESERTOS SERÃO JARDINS

 DESERTOS SERÃO JARDINS

 

A. A. de Assis

 

No meu tempo de menino em São Fidélis havia uma tradição natalina mantida com especial carinho e solenidade em nossa família: todos os anos, no quarto domingo do Advento, nosso primo padre Augusto (monsenhor Augusto José de Assis Maia) almoçava conosco.

     Meu pai trazia da roça o indispensável peru papudo, que minha mãe preparava no maior capricho, enriquecendo-o com um substantivo recheio de farofa. Como complemento, a também indispensável macarronada coberta com rodelas de ovos cozidos. A sobremesa costumava ser uma das preferidas do primo: doce de jenipapo em calda com requeijão.  

     Padre Augusto chegava habitualmente uns trinta minutos antes do meio-dia, trazendo para as crianças, num dos bolsos da batina, um pacote de balas de caramelo. Para minha mãe, trazia um buquê com rosas que ele mesmo cultivava em seu quintal.

     Iniciava a visita abençoando o presépio montado na sala pelas minhas irmãs. Em seguida convidava a gente para uma oração, após a qual fazia uma breve reflexão sobre o significado da presença visível de Deus entre nós na pessoa de Jesus. Tentarei reproduzir em parte.

     – “Deus criou a Terra para ser um lugar perfeito, onde pudéssemos formar uma comunidade fraterna, feliz e amorosa, capaz de conviver em paz até o momento da serena transferência para a definitiva morada no céu. 

      – “Ao longo, porém, da caminhada terrena, a humanidade foi aos poucos perdendo o rumo. Deslumbrados pelos dons e encantos gratuitos recebidos do Criador, homens e mulheres encheram-se de orgulho, vaidade e ambição, e o que era para ser um alegre aprendizado para o futuro ingresso no reino das bem-aventuranças acabou se transformando num tenebroso labirinto marcado pelo egoísmo, pela injustiça, pelo ódio, pelo medo, pela crescente infelicidade.

      – “Deus, todavia, infinitamente misericordioso, interveio na história: enviou-nos seu Filho Jesus Cristo com a missão de redimir a família humana e ajudar-nos em nossa peregrinação rumo à Canaã celeste. Esse gesto de suprema bondade – a vinda do Verbo Divino como salvador da humanidade – é o real motivo das celebrações do Natal.

     – “Resumindo: Jesus nasceu e viveu no meio de nós, sofreu conosco e por nós, foi crucificado, ressuscitou, voltou à Casa do Pai. Deixou-nos, entretanto, sua eterna Palavra de esperança e amor, cuja propagação confiou aos seus discípulos, entre os quais também nós, na medida dos talentos e do alcance de cada um. Continua assim espiritualmente dentro de nós, em todos os momentos e situações, certo de que algum dia aprenderemos a amar-nos uns aos outros como ele nos ama. Nesse dia, finalmente, como sonhara Isaías, os desertos serão jardins”.

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     Esta coluna entra hoje em férias, com retorno previsto para fevereiro. A todos/todas vocês, que por mais um ano carinhosamente acompanharam os meus textos, agradeço de todo o coração. Deus os abençoe sempre e lhes dê um feliz e santo Natal. Fraterno abraço.

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 22-12-22)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

OS MEGANOTÁVEIS

 OS MEGANOTÁVEIS

A. A. de Assis

 

A população atual do mundo é de 8 bilhões. Desde o início da história, estima-se que já nasceram neste planetinha cerca de 110 bilhões de seres humanos. Porém o que mais espanta é verificar que no meio dessa imensa multidão é difícil apontar uma lista de 100 pessoas pertencentes a uma categoria maximamente especial: a dos homens e mulheres que, dotados de excepcionais virtudes e talentos, jamais serão esquecidos. Pessoas realmente meganotáveis, diferentes dos mortais comuns pelo seu altíssimo grau de santidade, ou de genialidade, ou de capacidade de liderança.

     Na verdade, há duas categorias: notáveis e meganotáveis. Exemplos de notáveis: Rivelino, Ray Charles, Fernando Pessoa. Meganotáveis: Pelé, Luciano Pavarotti, Luís de Camões. Aqui falarei dos meganotáveis. Cada qual na sua área de atuação, essas raríssimas pessoas deixaram marcas fortíssimas na história da humanidade.

     Enumerá-las sem o risco de cometer algum erro de avaliação ou de omissão seria impossível. Todavia, se você ajudar, poderemos criar uma lista bastante representativa. Começo por pedir licença para considerar Jesus Cristo e sua santa mãe Maria como “hors concours”. Em seguida relaciono os nomes que me parecem mais reluzentes, e para enriquecer a lista sugiro que você acrescente outros que também julgar de fato muito acima da média. Por ordem alfabética:

    Abraão (patriarca), Abraham Lincoln, Agostinho de Hipona (santo), Albert Einstein, Albert Sabin, Alberto Santos Dumont, Alexander Fleming, Alexander Graham Bell, Alexandre (o Grande), Antônio de Pádua (santo), Aristóteles, Arquimedes de Siracusa, Benjamin Franklin, Blaise Pascal, Carlos Magno, Charles Chaplin (Carlitos), Confúcio, Cristóvão Colombo, Dante Alighieri,  Davi (rei), Édith Piaf, Elisabeth II (rainha), Enrico Caruso, Federico Felini, Fiódor Dostoiévski, Francis Bacon, Francisco de Assis (são), Frank Sinatra,

     Frederico Chopin, Galileu Galilei, Genghis Khan, Homero, Immanuel Kant, Ingrid Bergman, Isaac Newton, Isaías (profeta), Jean-Jacques Rousseau, Joana D’arc (santa), Johannes Gutenberg, João Paulo II, John Lennon, José (pai adotivo de Jesus), Júlio César, Karl Marx, Leonardo Da Vinci, Louis Pasteur, Luciano Pavarotti, Ludwig Beethoven, Luís de Camões, Mahatma Gandhi, Maomé, Marco Polo, Marco Túlio Cícero, Maria Callas, Maria Madalena (santa), Marie Curie, Martin Luther King, Martinho Lutero, Michelângelo, Miguel de Cervantes, Moisés, Nabucodonosor, Napoleão Bonaparte,

     Nelson Mandela, Nikola Tesla, Nicolau Copérnico, Noé (patriarca), Pablo Picasso, Paulo (apóstolo), Pedro (apóstolo), Pelé, Pitágoras, Platão, Ramsés II, René Descartes, Rita de Cássia (santa), Salomão (rei), Sidarta Gautama (Buda), Sigmund Freud, Simón Bolívar, Simone de Beauvoir, Sócrates, Teresa de Calcutá (santa), Thomas Edison, Tomás de Aquino (santo), Vasco da Gama, Vincent van Gogh, Virgínia Woolf, Voltaire, Walt Disney, Willian Shakespeare, Winston Churchill, Wolfgang Amadeus Mozart.          

(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 15.12.22)

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

FÉ, CIÊNCIA E POESIA

 FÉ, CIÊNCIA E POESIA


A. A. de Assis


Faz já bastante tempo. Foi num almoço em companhia de um amigo que se dizia ateu. Ele médico, portanto habituado a se apoiar na ciência; eu poeta, portanto guiado mais pela intuição. De repente a conversa, até então descontraída, virou papo-cabeça e acabou entrando na velha polêmica evolucionismo versus criacionismo.

O amigo médico, homem de vasta cultura, recordou com detalhes a teoria conhecida como darwinismo (hoje se fala mais em neodarwinismo), a qual, baseada nos princípios da seleção natural e da ancestralidade comum, procura mostrar como ocorre a evolução das espécies.

Charles Darwin, naturalista, biólogo, etólogo, taxonomista, geólogo, ecólogo, partia da ideia de que os organismos mudam ao longo do tempo e de que o meio, por ação natural, seleciona os mais adaptados. Deixou assim uma valiosa contribuição para o progresso do conhecimento.

Perguntei: Mas qual a diferença básica entre evolucionismo e criacionismo? O amigo médico me surpreendeu: “Trocando em miúdos, evolucionistas e criacionistas pensam e dizem quase a mesma coisa; a diferença está praticamente apenas na maneira de narrar os fatos.

Darwin fala como um professor, um cientista; o autor bíblico, no caso Moisés, fala como um profeta/poeta. A ciência faz o papel da ciência: tenta entender e explicar os fenômenos da vida.

A fé acredita e afirma que tudo o que existe tem como princípio um Criador – Deus”.

No final da conversa, mesmo se dizendo ateu, ele acrescentou: “A narrativa bíblica, muito bonita, descreve metaforicamente a formação do mundo, desde o ‘Fiat lux’ até a capacitação do ser humano para a função de protagonista da história. Um belíssimo poema”.

Belíssimo sim, respondi. Na minha avaliação, a protofonia do Gênesis é um dos mais belos textos da literatura. Até me atrevi a reproduzi-lo em versos. Peço licença para lhes mostrar:

– Deus, no princípio, descerra / o palco da criação: / cria o céu e cria a terra / e enche de

luz a amplidão. / Cria as águas e as reparte / em rios, lagos e mares, / e com ternura e com

arte / cria os bosques e os pomares.

Coloca milhões de estrelas / na abóbada imensa e nua, / e acende no meio delas / o sol e

em seguida a lua. / Faz que as águas se povoem / de peixes – grandes, pequenos, / e manda

que as aves voem / com seus festivos acenos. / Num outro gesto ele faz / aparecer sobre a

terra / toda espécie de animais: / os da planície e os da serra. / E é nessa alegre paisagem /

que Deus finalmente lança / alguém que é a sua imagem, / sua própria semelhança.

“Façamos – diz o Senhor – / o homem; e a companheira / com quem partilhe o esplendor / e

a graça da terra inteira.” / Cria-os Deus na excelência / da justiça e da verdade, / e dá-lhes a

inteligência / e a vontade e a liberdade. / Dá-lhes a luz, o calor; / dá-lhes o ar, o alimento; / dá-

lhes o aroma da flor; / e a chuva e o luar e o vento. / E lhes confere o poder / de ter o mundo

nas mãos; / e a missão de conceber / um grande povo de irmãos.

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

RIMANDO BRINCO

 RIMANDO BRINCO

 

A. A. de Assis

 

A língua portuguesa nasceu cantando trovas. Ao Brasil elas chegaram de carona nas caravelas de Pedro Álvares Cabral – algumas filosóficas, outras líricas, outras engraçadas. Gosto de todas. Gosto especialmente da brincadeira de brincar rimando. Se você está disposto a fazer agora uma pausa para também brincar um pouco, vamos lá.

  1. Moderna e esperta, a formiga / à cigarra se juntou: / – uma canta, enquanto a amiga / monta o circo e vende o show...
  2. Amigo/amiga, reparto / este espanto com você: / – o parto não é mais parto; / é download de bebê...
  3. Num momento de euforia, / cedemos-lhe uma costela. / Fomos cedendo... e hoje em dia / quem manda no mundo é ela.
  4. No reino dos passarinhos, / joão-de-barro é o burguesão: / – de todos os seus vizinhos, / só ele mora em mansão...
  5. Pernilongo em meu ouvido / faz zunzum... zunzum... zunzum... / Julga-se, ao certo, o exibido / chofer de fórmula um...
  6. É natural que aconteça, / ao cometa e a certa gente, / por ter pequena a cabeça, / mostrar a cauda somente...
  7. Pastel, pudim, rabanada, / e o mais que te apetecer... / Nada disso engorda nada: / basta apenas não comer.

8.     Antiguidade, doutor, / é coisa muito engraçada: / algo que cresce em valor / quando não vale mais nada...

9.     Ah, como é útil a avó, / com seus cuidados e afetos. / Já o avô, serve tão-só / pra ensinar besteira aos netos...

  1. Avó é a mãe que imagina / que a sua parte já fez... / mas, quando a missão termina, / começa tudo outra vez. /
  2. Morre o peixe quando aboca / seu jantar com muito anseio... / Sobretudo se a minhoca / traz anzol como recheio.
  3. Pica-pau, sossega o taco... / faz uma pausa, ó carinha! / Teu toque-toque enche o saco / da passarada inteirinha...

13.  Convido-os a partilhar / uma gostosa jantinha: / massa com frutos do mar, / ou seja, pão com sardinha...

  1. Tão boa é aquela senhora, / tão generosa e tão pura, / que nem passando a ter nora / perdeu jamais a ternura...
  2. Fez-se o casório... no entanto, / o noivo não tinha o dom... / Por vingança, a noiva, em pranto, / foi reclamar no Procon.

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 01.12.2022)