sexta-feira, 12 de junho de 2020

Baile pé no chão

Baile pé no chão
A. A. de Assis


Sempre que revejo algum daqueles filmões que mostram como era a vida no velho oeste norte-americano, vem-me à memória a Maringá pioneira das duas primeiras décadas – anos 1940 e 1950. Pouco mais que um vilarejo cercado de matas e cafezais por todos os lados. Gente vinda das mais diferentes origens, misturando costumes, sotaques, projetos de vida.
Naquele cenário rústico viviam as primeiras esperançosas famílias da comunidade nascente. Mas o que faziam aqui os valentes desbravadores, além de dar duro na roça ou no comércio em busca de oportunidades para garantir o pé-de-meia?
Havia uns três cinemas que exibiam fitas novas cada noite, havia uma estação de rádio com animados programas de auditório, havia alguns bares e sorveterias. 
Havia até onde dançar: o Aero Clube, um espaçoso salão de madeira, que ficava na Avenida São Paulo, ao lado do bosque que futuramente viria a ser o Parque do Ingá. Bem ali onde está hoje o supermercado Mufato Gourmet.
Tinha matinê dançante todo domingo à tarde e “baile oficial” uma vez por mês. A música era costumeiramente da orquestra do Penha ou do Britinho e seus Cometas, mas em ocasiões especiais, como os bailes de debutantes, vinha orquestra de fora, como a de Nélson de Tupã ou a de Severino Araújo, do Rio de Janeiro. As moças iam de vestido chique e os moços de terno e gravata, coisa fina. Os advogados promoviam ali o Baile do Rubi. As escolas as festas de formatura. Muitos dos primeiros casamentos entre jovens maringaenses resultaram do namoro iniciado ao som de um bolero dançado de rosto colado no velho e bom Aero.
O problema era quando chovia. Como não havia nenhuma rua asfaltada ou calçada na cidade e o barro era farto e grudento, homens e mulheres iam para o baile com os pés no chão, levando os sapatos numa sacola. Chegando ao clube, entravam por um portão lateral. No fundo do salão, junto às quadras de basquete e vôlei, havia um tanque comprido, onde todos lavavam os pés antes de colocar os calçados para entrar na pista de dança.
Nos dias secos era um pouco diferente. O pessoal chegava com os sapatos nos pés, mas levando na sola a poeira vermelha das ruas. Daí que várias vezes durante a noite o baile era interrompido para que os funcionários jogassem água no salão a fim de baixar o pó. O legal era que ninguém reclamava. Era o jeito de ser da vida pioneira e todo mundo se adaptava.
O Aero Clube e seu vizinho Grêmio dos Comerciários foram os pontos de encontro, festa e namoro da população local até a virada dos anos 1950 para a década de 1960. Nesses dois salões se reuniam democraticamente todas as faixas da sociedade. A mudança começou a partir da criação de outros clubes, mais modernos, mais completos, e por isso também mais caros: Maringá Clube, Country, Hípica, Olímpico. O pioneirismo acabou ali, dando lugar à formação de uma grande aglomeração urbana igual a tantas outras. 

=============================================
(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 11-6-2020)

Nenhum comentário: