sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O peladão

 O peladão

A. A. de Assis

 

Por motivos fartos e facilmente compreensíveis, ele acabou ganhando status de atração turística – um dos pontos de parada obrigatória para todo grupo que visite Maringá pela primeira vez. Ali o guia aproveita para contar como começou a história da cidade: é o local do encontro entre o Maringá Velho e o Maringá Novo. Oficialmente, o nome do charmoso espaço é  Praça Sete de Setembro. Mas na boca do povo é Praça do Peladão.

     Deu-se assim: o prefeito na época (1972) era o Doutor Adriano Valente. Ocorreu-lhe a ideia de dotar a cidade de um monumento em homenagem aos nossos grandes pioneiros. Propósito mais do que justo, visto que a bela urbe da qual hoje tanto nos orgulhamos só existe porque um peitudo grupo de homens e mulheres teve a coragem de erguer aqui os primeiros ranchos.

     A obra foi confiada ao renomado artista plástico Henrique Aragão, a quem o Doutor Adriano explicou o que pretendia: algo que configurasse um esperançoso desbravador com os braços levantados para o céu, como que a saudar o futuro e indicar sua sede de infinito.

     O artista, que residia em Ibiporã, foi para casa, dialogou com a inspiração, voltou com o projeto pronto: uma grande e esguia estátua, tendo ao lado três machados estilizados lembrando a abertura da mata para construção da cidade.

     Até aí tudo bem. Era um conjunto bonito, empolgante mesmo, traços modernos, e seria fácil entender a simbologia. Surgiram, porém, dois “poréns” deveras embaraçosos.

     O primeiro era que o bravo desbravador, ali representado pela estátua, seria instalado de frente para o Maringá Novo. Coisa chique sim. Mas com isso o bumbum ficaria desaforosamente virado para o Maringá Velho... E aí aconteceu o que ninguém imaginara antes: os moradores do bairro pioneiro não gostaram nadinha da história, armou-se o entrevero, e o enredo por pouco não desenredou. 

     Foi necessária uma caprichada dose de diplomacia para convencer o pessoal de que realmente não havia outro jeito. Ou seja: não havia como fazer o desbravador olhar ao mesmo tempo para o leste e para o oeste.

     O segundo problema era mais delicado ainda: é que o artista, movido pela sua pureza de alma e de coração, esculpira a estátua desnuda. Isso mesmo: nuinha da cabeça aos pés, tal qual Adão no paraíso. Entendeu o drama?...  

     Pois deu no que deu... o maior bochicho na cidade: “Como é que o Doutor Adriano, um homem tão fino e de tão bons princípios, consentira numa vexação daquelas?”. Pressão em cima do prefeito, pressão em cima do escultor. O único jeito de pacificar os ânimos foi acatar a genial ideia não se sabe de quem: colocar uma folha de parreira por sobre as partes pudendas do inocente herói de cobre. Só não foi possível evitar que o simpático personagem resultasse condenado a carregar para todo o sempre o folclórico apelido de “Peladão”. 

     O que, aliás, faz dele uma atração mais chamativa ainda.

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 17-9-2020)

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