segunda-feira, 23 de novembro de 2020

A grande gincana

A grande gincana

 

A. A. de Assis

 

Durante muitos anos Lucilla e eu participamos de uma equipe que promovia encontros de preparação de noivos para o casamento. Um dos momentos mais bonitos era quando o Dr. João Batista Leonardo falava sobre a maravilha que é o nascimento de uma criança.

     Todos nós – dizia ele – iniciamos nossa existência disputando uma fantástica gincana. No ápice de um ato de amor, o homem transfere para a mulher cerca de trezentos milhões de espermatozoides, ou seja, trezentos milhões de candidatos à vida, dentre os quais apenas um sobrevive: o que chega em primeiro lugar ao óvulo que o aguarda na tuba uterina. Os demais perdem a chance de existir, a não ser nos raros casos em que nascem gêmeos.

     Você, eu, Pelé, a rainha da Inglaterra, aquela moça que ontem o atendeu na loja, todos passamos um dia pela grande gincana. Para que pudéssemos estar aqui agora, trezentos milhões de irmãos nossos foram privados da graça de vir à luz. Fascinante mistério.

     Toda vez que penso nisso me dá um arrepio. Um privilegiadíssimo espermatozoide se une a um privilegiadíssimo óvulo e juntos possibilitam a geração de uma nova vida, que por sua vez será uma mistura de genes – metade do pai, metade da mãe.

     Mas por que justamente aquele espermatozoide? Por que justamente aquele óvulo?

     E por que razão teria sido justo você o campeão da gincana? Decerto você não venceu por acaso, nem por ser o mais formoso, nem por qualquer outro mérito desse tipo. Você foi o eleito porque lhe estava reservado algum papel muito especial.

     Cada um de nós é chamado a cumprir determinada missão na história do nosso tempo, no lugar onde existimos. Somos atletas do time de Deus, e ele nos escala para atuar nessa ou naquela posição, confiando-nos para tal os necessários talentos.

     Vale repetir: por que nasci? Por que você nasceu? Por que justamente você e eu e não outro daqueles trezentos milhões de irmãos que conosco disputaram a graça da vida? A responsabilidade é muito grande.

     Sei lá... Não dá para imaginar como será a prestação de contas ao final de nossa passagem por este planeta. Mas na porta da eternidade, diante de Deus e de nossa consciência, teremos que justificar de algum modo a enorme confiança que em nós foi depositada.

     Acredito que os pecadinhos e outras travessuras da gente nem serão contabilizados. Não será por eles que perderemos pontos na carteira. O que vai contar mesmo será o que tivermos feito, ou não, dos talentos postos à nossa disposição quando aqui chegamos.

     Cada um de nós entrou na vida equipado para fazer algo de bom pela humanidade: produzir alimentos, construir pontes, alfabetizar crianças, propagar a fé, pilotar veículos, curar doentes, defender as leis, lidar com números, governar, tocar piano, escrever poesia, jogar futebol, costurar, cantar, pintar, fazer rir. Seja lá o que for, penso que pecado realmente grave será não ter feito, e da melhor maneira possível, o que nascemos para fazer.

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 19-11-2020)

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